RESENHA DE LARANJA MECÂNICA
Um grande clássico da década de 1970
Inegável
destaque na obra do diretor Stanley Kubrick, Laranja Mecânica foi marcante
na época e até hoje suscita discussões e reflexões diversas. Anthony
Burgess, autor do livro homônimo, escritor, compositor e crítico britânico
escrevera em 1962 o que veio a ser sua obra mais memorável. Burgess criou o
personagem forte e com linguagem própria, que continha palavras em inglês, russo
e algumas gírias. A obra de Burgess é recheada de sátiras sociais. Burgess foi também
professor na Malásia e serviu ao exército inglês por seis anos. Foi diagnosticado
com grave doença no final dos anos 50, porém só veio a falecer tempos
mais tarde, em Londres, no ano de 1993. Laranja Mecânica é o resultado das suas
críticas à utilização do behaviorismo em algumas instituições e sua preocupação
com a delinqüência juvenil.
Já
Kubrick, um dos mais importantes cineastas da história, iniciou sua carreira aos 22
anos, realizando curta-metragens. Seu primeiro longa foi filmado em 1953, Fear
and Desire. Diretor de grandes filmes como Platoon (1986), O Iluminado (1980),
2001: Uma Odisséia no Espaço (1968), até então o melhor longa de ficção científica
já visto. Kubrick deixou as câmeras e a vida no meio de mais uma superprodução
científica, AI: Inteligência Artificial, que também marcou história e foi continuado
Steven Spielberg.
Para
Malcolm MacDowell, ator principal, o personagem foi uma grande projeção
na carreira, por ser forte, diferente, extravagante, ter viés artístico
explícito e pela sua brilhante interpretação com apenas vinte e três anos.
O filme
se passa num futuro que não sabemos exatamente a data, na Inglaterra.
De família saudável e de classe média, Alexander DeLarge ou Alex é um jovem,
líder de uma gangue e comete uma série de crimes como estupro, violência, roubo,
invasões. O grupo denominava-se “os droogs” e assim se tratavam entre si.
Freqüentavam
um bar com ar futurista, onde os móveis eram em formato de pessoas
despidas e bebia-se algo com aparência semelhante ao leite.
Uma
série de crimes é cometida pela gangue sob a liderança e estímulo de Alex.
Ao verem um mendigo bêbado nas ruas, a gangue o humilha e o espanca violentamente.
Em
seguida, entram na casa de um escritor, e estupram a sua esposa fazendo-o
assistir o ato, depois de tê-lo espancado e amarrado. O ato é cometido sob a
trilha Singing in the rain, cantarolada por Alex sarcasticamente.
Alex
passa por problemas em sua liderança, pois a gangue quer muda algumas
regras e deseja ser tratada de outra forma, com mais respeito. Alex responde
a essa reivindicação agredindo os seus companheiros de gangue.
Em
busca de dinheiro, a gangue invade a casa de uma artista e Alex agride a mulher,
matando-a. Ao tentar fugir, a gangue o surpreende com um golpe em sua cabeça,
deixando-o cego temporariamente, o que o leva a ser capturado pela polícia.
Alex,
que já era acompanhado por um inspetor que exercia a função de assistente
social e seu disciplinador, recebe a visita deste na delegacia, quando este percebe
e proclama que agora Alex é assassino, e portanto não tem mais como melhorar o
seu comportamento. O jovem é condenado a 14 anos de prisão.
Aos
dois anos de pena, conforme narração do próprio Alex e seu comportamento, logo
percebemos que ele em nada mudou, exceto pelo respeito ás autoridades na
prisão, que lhe era obrigatório.
Cansado
de ser prisioneiro, Alex solicita ao diretor da prisão que lhe permita
participar
do tratamento experimental Ludovico, em troca de sua liberdade. Tratava-se de
uma terapia do governo para reverter o comportamento criminoso no ser humano. O
tratamento é iniciado e dura duas semanas até que Alex seja solto. As sessões
contemplam a aversão. São exibidos filmes de violência explícita e Alex os
assiste com os olhos abertos ininterruptamente, garantidos por presilhas que os
prendem. É também aplicado uma droga no corpo de Alex.
Estas
combinações o levam a ter enjôos e dores enquanto vê as cenas dos
filmes.
O objetivo é a associação entre a violência e a dor física. Numa das sessões a
trilha do filme exibido é de Ludwig Van Bethooven, músico que Alex aprecia,
tornando o jovem avesso por acaso à Nona Sinfonia de Bethooven.
Alex
está aparantemente recuperado ao final do tratamento, pois não consegue esboçar
atos de violência ou estupro, já que a cada vez que tenta realizar ou reagir a
um ato de violência, sente dores e náuseas fortes, tornando-se incapacitado de
agir novamente desta maneira.
Ao sair
da cadeia, rejeitado pelos pais, que muito sofreram com sua conduta, o destino
o leva a reencontrar as suas vítimas. A primeira delas é o mendigo, que lhe
pede dinheiro e reconhecendo-o, une-se aos demais idosos mendigos para espancá-lo.
Em meio à confusão, dois policiais os interrompem. Alex estaria a salvo, porém
os dois policiais são os seus amigos de gangue, que foram agredidos por ele.
Imediatamente
os rapazes se vingam dele, usando também de violência. Espancado e fraco, Alex pede ajuda numa casa, sem notar que é a casa do escritor, outra vítima sua. A
esposa deste havia morrido e ele estava numa cadeira de rodas. A vítima usou a
Nona Sinfonia para fazer Alex sofrer, e este tentou suicídio, sem sucesso.
Após um
longo período em coma, Alex acorda e é visitado pelo Ministro, que lhe
oferece emprego em troca de silêncio e apoio ao partido, após tanta polêmica que
cercara o caso e prejudicara sua gestão. Nesse momento, Alex recebe flores ouve a
Nona Sinfonia e sob essa trilha, declara-se ao telespectador estar
“definitivamente curado”, vislumbrando, porém, uma cena de sexo o que mostra que o antigo Alex estava ali novamente.
O filme
mostra a intervenção de instituições e personagens de ordem na vida de Alex
através do inspetor, o padre na prisão, a própria polícia, o governo, os cientistas.
O protagonista Alex, mau, sádico e performático nos leva a desejar uma correção
moral e é disso que o filme trata. A correção, porém, é científica e põe em discussão
a questão do livre arbítrio.
Percebe-se
claramente o uso do Behaviorismo na técnica, através do comportamento
condicionado, dos reforços, dos estímulos e respostas, associações e
repetições. Seria, para o governo e para a ordem da sociedade, uma alternativa
eficaz de manter a segurança, porém há muitas outras questões éticas e morais
por trás dessa decisão. Percebe-se, apesar de a história se passar no futuro um
governo rígido, autoritário, principalmente por autorizar uma experiência de
caráter behaviorista. Trata-se também de uma delinqüência juvenil
injustificada, onde não se vê sofrimento, depressão, desequilíbrio mental,
nenhum mal exemplo dos pais ou dificuldades financeiras.
A
história deseja dar ao espectador uma violência gratuita, um personagem
mau
porque é simplesmente mau. Toda a atmosfera artística e libertina nos remete
ao
sarcasmo de Alex, aos estupros, à imoralidade tornada imparcial e parte da vida
dos cidadãos do futuro, um futuro imaginado em 1962 influenciado pela tendência
do design e arquitetura da época, muito futurista e extravagante.
O filme
mexe com muitos conceitos que temos, provoca sentimentos de satisfação
na vingança, questões de livre arbítrio, direito, moral, ética, disciplina, revolta,
liberdade e proporciona ricas reflexões e debates nos campos da Psicologia,
Sociologia, Direito, Antropologia e Pedagogia, sendo referência para construção
de aprendizado nessas disciplinas.
Cabe
observar o final do filme, onde o Ministro comparece tratando Alex de maneira
especial, oferecendo-lhe ajuda e comida na boca, em busca de omitir o escândalo,
tentando reverter a opinião pública sobre a situação usando sua influência
e a mídia. Ironicamente, é nesse mesmo momento que é revelado para o
telespectador que Alex não está curado do seu comportamento violento,
justamente na hora em que ele é reconhecido e apoiado ainda que falsamente e
com interesses pelo Ministro, o que não se viu em nenhum momento pelos outros
personagens que fizeram parte da vida de Alex.
LARANJA
MECÂNICA. Direção de Stanley Kubrick. Inglaterra, 1971. (136 min): Son. Color.
Legendado. Port..
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